segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

MOSCA NA SOPA

Comecemos por aquilo que contém a mosca, isto é, a sopa. A qual já se encontra bem na sua frente, servida em prato fundo. Apenas aguardando que você - com a fome dos diabos em que se acha - meta logo a colher. Hum... tem cheiro agradável, parece apetitosa e há tentadores pãezinhos na mesa para o acompanhamento. Comme il faut, diria o cronista mundano. E assim poderemos saltar a etapa em que você teria gritado:
- Garçom, o meu prato está molhado.
E ele:
- É a sopa.
Sim , você já se encontra depois do equívoco em questão. Quando já está prestes a sorver a primeira colherada de uma refeição que consagrou o Zarur. Mas aí... de um modo absolutamente frustante, você constata: uma mosca na sopa! Uma hórrida mosca que só Deus sabe dos monturos e de outros locais abjetos por onde andara (o inseto, bem entendido). Até que, num adejo não bem calculado, acabou sendo - como disse o Raulzito - a mosca que pousou na sua sopa. Nojo, asco, repulsa... Pensar que você jamais entra num frege-moscas, que só vai a restaurante limpo, bem administrado e com chêf (a quem manda recomendações ao se retirar satisfeito).
Então, diante do desagradável incidente, agora é chamar o...
- Garçom.
Mesmo sabendo que ele, para enfrentar uma situação dessas, dispõe de mais justificativas do que imagina a nossa vâ gastronomia.
Primeiro, ele pode querer negar o fato (apesar de que o fato está claro, óbvio, patente).
- Não é mosca, é o desenho do prato.
- Mas... como? Está se mexendo!...
- É desenho animado.
Segundo, ao invés de negar o fato, ele pode querer minimizá-lo dizendo que é apenas um mosquito... Rá, rá, rá, rá, aquela falsa premissa de que é somente um elefante que engasga o cliente. Terceiro, ele pode - mesmo que fique de ponta-cabeça a ordem natural das coisas - querer alegar que a mosca é que deu sopa. Quarto, pode o manhoso do garçom querer sopitar (epa!) você, com palavras do tipo "calma, mosca não come muito!" E por aí...
Agora, se ele é um cara verdadeiramente esperto, passado na casca do alho como se diz, é que o incidente vira... uma sopa no mel. Pois o garçom, a propósito de que o acontecido também promove a casa, eis que o dito-cujo certamente dirá:
- Ora, mosca também gosta do que é bem feito.
Vamos e venhamos: você não é mosca morta, mas o homem também não é sopa!
Dá para ver que ele faz um tipo imbatível na argumentação. Capaz de, entre outras proezas, pegar mosca a vinagre.
Por isso, o importante é você não perder o fair-play:
- Garçom, a mosca acaba de morrer afogada na sopa. Traga outra.
Que pode ser outra sopa, outra mosca... Ou, inevitavelmente, uma com a outra.

Publicada no jornal O POVO, em 07/09/90, e no livro EFEITOS COLATERAIS

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