domingo, 3 de fevereiro de 2008

MINHA HISTÓRIA

Teria oito, nove anos quando um jornal de Fortaleza publicou um poema de minha lavra. Por uns tempos circulei com um recorte do jornal, mostrando-o a todos que a mão alcançava. Na escola risonha e franca, então ninguém escapou. E as pessoas sabiam ser elogiosas, o peito era uma festa. Nele, ainda hoje ressoam aqueles acordes lisonjeiros!... Bem, eu não mostrei o recorte ao Agripino Grieco. Quem o verrinoso Agripino pegava pela proa, ficava depois (se já não estava antes) fazendo água. Com oito, noivo anos, eu não deixava nem que me limpassem as cracas!...
Eram verdadeiramente generosos os espaços dos jornais, mas a criança publicista parou aí. Aliás, hoje ressurge perguntando: que fim levou o recorte com seus versos? O recorte que guardava como a um cimélio... Se, distraidamente, o pus entre as folhas do Thesouro da Juventude (dezoito volumes), só um Theseu dos sebos poderá encontrá-lo. Mas, se o comeram as traças, que baita indigestão elas não tiveram!... Não, eu não vou procurar nas hemerotecas aquilo que foi a minha estréia literária. Primeiro, por não acreditar que afora o afetivo outro valor tenha. E, segundo, por ser uma tarefa a exigir paciência beneditina, qualidade que eu não tenho. No futuro, quem sabe, alguém que use um sofisticado detector de poesia infantil poderá fazê-lo. Com esta finalidade: censo das musas dos anos cinqüenta.
A quadra ginasial! Atravessei a quadra vidrado em Malba Tahan. Os contos orientais de Malba Tahan (pseudônimo do brasileiríssimo Prof. Júlio César de Melo e Sousa) tomaram conta da minha jovem imaginação. Imitando o mestre, tratei logo de arranjar um pseudônimo bem árabe. Era... está bem, como memorialista estou longe de alcançar Pedro Nava. O fato é que escrevi uns curtos contos em que o leitor, a todo instante, tropeçava em Maktub!, pela glória da Caaba e Inch'Allah! Eram lidos - com exclusividade - por um colega de nome Mesquita, no Colégio Cearense. (Que Allah, o Misericordioso, o proteja!) Em contrapartida, Mesquita me fazia ler - também com exclusividade - os contos dele. Outro regionalista árabe, com pseudônimo e tudo!
Um dia meti o pé na estrada da vida para a caminhada tirana. Da mochila, comecei a extrair as mais líricas imagens. Não contente com isso, ainda deambulei pelos céus e ainda deambulei nos mares, tudo em busca do lirismo. Era preciso cantar as raparigas em flor. O ar meio lorpa, versificando no quatro, quatro, três, três, eu ardia numa estranha febre. A febre causada pelo Sonetococcus brasiliensis, se engano não cometeu o esculápio que me socorreu. Mas, fiquei bom do febrão - com imunidade definitiva. E depois disso, por muito tempo, só quis saber da charada, da carta enigmática e do logogrifo. E do poema-piada, mas este quando estava na veneta.
Sobrevieram os anos verdolengos. Vestibular, Faculdade de Medicina, estágios, concursos públicos, plantões... uma canseira, meu irmão. Foram anos em que esqueci a Harmonia nos braços da Verdade, ou nos braços da Sósia da Verdade, sei lá... A bem dizer, eu não a esqueci totalmente. Em Fortaleza Oeste, montei casa para Euterpe. E com Euterpe o fauno se desenfadava de Bichat, Osler, Morgagni, Freud, a curriola esmeraldina. O leitor aqui me dispense de contar os encontros clandestinos com Euterpe, a musa que preside a Música. É assunto para outra ocasião.
De volta à Literatura, assumi para todos os efeitos ser um principiante. E comecei a escrever pensamentos, com a idéia de mais tarde reuni-los num pequeno livro. Um livreco a ser chamado "Pensamentos, Palavras e Obras". Depois, viriam os contos, as novelas e os romances, nesta ordem. Mas, o leitor repare no que há tempos disse um plumitivo de Pindamonhagaba: "Nos, os principiantes, devemos começar pelo princípio, pelo primeiro degrau; coisinhas leves, pensamentos; depois sonetos; depois contos e por fim novelas e romances." O azar do plumitivo foi comentar isso para Monteiro Lobato. E o autor de "A Barca de Gleyre", em carta para o confrade Godofredo Rangel (30/08/1909), registrá-la na íntegra. Com esta ironia final: "Ele andava com uma trena no bolso." Cáspite!
Mas, separando o escritor de um reles plumitivo, há também um detalhe crucial. O célebre estalo, como o que abriu a inteligência do Padre Antonio Vieira. Pois comigo aconteceu um fato que talvez me ponha na primeira categoria. Foi quando a escrivaninha do meu livre-pensar, não resistindo à pressão dos meus cotovelos, arriou com grande estrondo. Assim que me recompus, eu que antes só escrevia pensamentos de pequena voltagem, logrei a redigir a primeira crônica - de duas laudas! Fadiga da madeira, não vale, dirá um crítico de plantão. Está bem, mas foi o mais próximo a que já cheguei de um estalo de Vieira.
Agora, Carlos Augusto Viana, o editor do "DN - Cultura", me liga a cobrar (epa!) uma maior regularidade nas colaborações. E pede que eu saia do meu habitual estilo condensado, uma vez que me garante um bom espaço gráfico, coisa de mão-cheia. Sei não. Se, por um lado, prestigiando-me o autor de "Primavera Empalhada" me deixa em estado de graça, por outro, me põe um peso enorme sobre os ombros. O peso do empreendimento difícil. É que a vaca sagrada, donde tiro o leite (condensado) do humor, tem lá suas imprevisibilidades. Às vezes, estou no melhor da ordenha e a danada recolhe as tetas. E isto para não falar do pior. Quando ela escoceia o balde, derramando tudo.

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