quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O BRASILEIRO CORDIAL

Dizer que o brasileiro é cordial é incorrer num mito. Para início de conversa, ele não tem consideração com o próprio corpo. E só porque um dia lhe cortaram o cordão umbilical, ele então acha que pode fazer tudo. Pôr o dedo na ferida, torcer o nariz, bater perna na rua, sacudir as cadeiras, emprenhar pelo ouvidos, dar a mão à palmatória, queimar os miolos, as pestanas etc. Inclusive fazer corpo mole.
Atire a primeira pedra quem ainda não levou uma facada do brasileiro! Ou, por causa dele, não haja se metido numa fogueira, segurado um rabo de foguete.... Sobre ter o calo pisado, idem. É, os outros que o digam. Pois o brasileiro, além de assassinar o Português, de gastar o Latim, vive arranhando o Inglês, o Francês...
(O demônio não é tão feio, mas quem o pintou, hein?)
O desprezo que ele tem pela ecologia! Do contrário, ele não amolaria o boi, não afogaria o ganso, não cutucaria a onça com a vara curta, não deixaria a vaca ir para o brejo... Ah, o "não matarás" não é para o brasileiro, que vive matando cachorro a grito. E a cobra (que ele mata para mostrar o pau) e os coelhos (que ele mata com uma só cajadada) sabem disso perfeitamente. Como os sapos que ele também engole. É pouco? Pois o brasileiro dito cordial ainda gosta de dar no couro e ficar por cima da carne seca.
Que vexador o brasileiro! Tenha vida ou não, um ser não existe para virar gato e sapato. E tirar o cavalo da chuva até que melhora a imagem do brasileiro. Porém, ao dar com os burros n'água, ele volta a danificá-la.
Vamos ver, agora, se a flora lhe consegue escapar. Bem, descascando o abacaxi, confundindo alhos com bugalhos, torcendo o pepino (de pequenino, meu Deus!), o brasileiro prova que não.
Para ser exato, nem as coisas inanimadas escapam à sanha do brasileiro cordial. Senão, vejamos:
Quem bate na madeira, malha em ferro frio, entorna o caldo e não deixa pedra sobre pedra? Quem rói a corda, morde a isca, põe água na fervura e arrebenta a boca do balão? Quem joga dinheiro pela janela, combate moinhos de ventos e queima os últimos cartuchos? O brasileiro, evidentemente. Que, achando pouco, ainda dá uma no cravo e outra na ferradura, atira no que vê e acerta no que não vê.
E existe mais o que dizer sobre o brasileiro. Que mata o tempo, a fome, a sede, sufoca a emoção, abate os juros, suja a barra, fura o combinado, engole as indiretas, esconde o jogo e torce o sentido das palavras: é muito cordialismo... faltando.
Ah, sim. Como se não bastasse tudo o que faz, o brasileiro de modo sistemático enforca a sexta-feira.

Crônica publicada em VIDA E ARTE, de O POVO, e no livro EFEITOS COLATERAIS

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